por Ricardo Nogueira
Lá em Rio Espera, jacaré não é nome de bicho. Era nome de Gente. Wanderlúcio era apenas o apelido, o nome: Jacaré. Era jogador de futebol e nas horas de folga (que eram muitas) era motorista e namorador. Exímio namorador! Certa vez um velho ponderou: o Jacaré dirige os carros e os corações. Dirigia mais. Dirigia os sonhos das crianças.
O Jacaré foi meu primeiro ídolo!
Os meninos de hoje não devem fazer mais isso, mas lá em Rio Espera a gente fazia. Lá, a partida de futebol – a “pelada” – não começava com o apito do juiz, era com o grito. O grito dos outros meninos chamando para jogar bola. Éramos todos craques. O caminho até o campo era o momento de escolher quem seria quem quando a bola rolasse. “Eu sou Toninho Cerezo”, gritava um. “Só jogo se for o Balu do Cruzeiro”, exigia o outro. E assim, a melhor seleção de Minas entrava em campo, mas precisamente, no Campo do Asilo.
Um dia tomei uma decisão: não queria mais ser o tão cobiçado Tostão, passaria a ser o Jacaré. Isto mesmo, decidi prestigiar um jogador da nossa terra. Minha atitude contagiou os outros meninos e, em pouco tempo, os jogadores do famoso time do Ginásio eram ídolos da meninada. E acompanhávamos aqueles nossos ídolos em todos os jogos, defendendo-os a unhas e dentes.
E quando voltávamos a campo era aquela zoeira. Cada qual era seu próprio narrador no melhor estilo da Rádio Itatiaia. “Lá vai Jacaré com a bola dominada, passa por um, por dois, carrega, levanta a cabeça e chuta: na traaavee!”. Era bárbaro! Quando alguém se machucava, e alguém se machucava todo dia, até o som das sirenes das ambulâncias era improvisado. Invariavelmente, voltávamos para casa roucos e felizes.
Nunca vou me esquecer do dia que o Jacaré pulou com os dois pés nas costas do juiz. Não havia dúvida de que nosso time estava sendo lesado pela arbitragem. Os meninos já haviam invocado o nome da mãe do árbitro várias vezes. A coisa estava feia mesmo. Então, ele, o juiz, marcou um pênalti que nunca existiu. Foi a gota d’água! E do meio do tumulto surgiu o Jacaré correndo em direção ao tal árbitro. Como nos filmes, ele pulou lançando os dois pés contra o coitado que já caiu desacordado. Foi um “Deus nos acuda”.
Depois daquele dia, em toda “pelada” ficávamos horas a fio imitando o pulo do Jacaré. Alguns com mais perfeição, outros com menos. Ríamos do juiz e vangloriávamos o nosso ídolo. Pensávamos que um dia teríamos coragem para fazer uma coisa daquela. Os mais velhos diziam que ele era encrenqueiro. Ouvíamos os mais velhos, mas desejávamos aquela ousadia.
E teve um dia que o Jacaré morreu. Foi num acidente de carro. Estava indo para Belo Horizonte e nunca mais voltou. Algum adulto até comentou que a tragédia era a mesma que acometeu um tal James Dean. A nossa turma da “pelada” foi ao enterro. Cabisbaixos e melancólicos, acompanhamos todo o funeral. Para maioria foi a primeira grande perda da vida. Ninguém falou nada, vai ver as palavras estavam segurando as lágrimas.
No dia seguinte, voltamos ao campo. Era dia de “pelada”. A tristeza era grande e se queria perene. Pensei em até parar de jogar futebol. E quando a bola rolou, descobrimos que éramos nós que jogávamos. Não havia mais ídolos. Não havia mais Jacaré. Não havia mais graça. E foi então que tudo aconteceu. A ressurreição. Em cada toque, em cada jogada, em cada gesto, em cada insinuação, lá estava o Jacaré. Como num feitiço, começamos a mudar. Aos poucos. Um olhar, uma palavra, um grito e, antes de terminar o jogo, estávamos todos rindo. Nosso ídolo havia voltado! E lançaram a bola em minha direção. Dominei, driblei e fiz o gol. Um golaaaçoo. Corri em direção a lateral do campo, como ele sempre fazia, e, olhando para o céu como quem diz “é pra você Jacaré”, sorri na mais pura felicidade de menino de Rio Espera.
* Ricardo Alexandre Nogueira Miranda é jornalista.
Legal Ronaldo.
Eu joguei neste time.
Eli Monteiro
Oi Eli, você conseguiria nomear as pessoas na foto?
São muitos anos (45), alguns eu me lembro,
Em pé: Filha do Macabeu-(?)-Ze Garnize- Geraldo da Mulatinha-(?) Tatão-Beto.
Agachados: me lembro de só dois Nozinho e a sobrinha do Prof. Peixoto.
O tempo passa muito rápido, não é mesmo? Aos poucos a gente vai conseguindo os nomes!